Comissão Parlamentar de Saúde:ASPE foi o primeiro
sindicato em audição sobre o Plano de Emergência
03 de outubro de 2024
Por requerimento do Partido Social Democrata (PSD), o Grupo de Trabalho de Acompanhamento da Execução do Plano de Emergência e Transformação na Saúde, presidido pela deputada Susana Correia (PS), recebeu a Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros (ASPE). A audição ocorreu a 3 de outubro, na Assembleia da República, e foi a primeira de um conjunto de reuniões destinadas a ouvir o que os sindicatos médicos e de enfermeiros têm a dizer sobre o Plano de Emergência e Transformação na Saúde, em curso desde maio.
Considerando que a Enfermagem não faz parte deste plano – não só porque não há recursos humanos suficientes no Serviço Nacional de Saúde (SNS), mas também porque não foram consideradas as condições de trabalho e as competências da profissão –, a ASPE defendeu que dificilmente este conjunto de medidas terá sucesso.
E não se trata de combater a necessidade de rentabilizar os recursos existentes no SNS. Mas quando os serviços já estão no limite e se acrescentam medidas urgentes e prioritárias, a lógica de puxar a manta para tapar a cabeça e destapar os pés (e vice-versa) não vai terminar.
Para melhor ilustrar esta posição, Lúcia Leite, presidente da ASPE, transmitiu aos deputados as conclusões do Estudo Nacional sobre as Condições de Vida e de Trabalho dos Enfermeiros em Portugal, divulgado em 2022 pela Ordem dos Enfermeiros. Nessa altura, a grande maioria dos inquiridos já se manifestava exausta, com 60% a trabalharem entre as 40 e as 70 horas semanais e 16% com mais de 70 horas por semana. A isto acresce que cerca de 65% admitiam ter pensado em abandonar a profissão e praticamente a mesma percentagem não gostava que os seus filhos optassem pela Enfermagem. “Como é que se pretende aplicar um plano de emergência com este contexto na Enfermagem?”, argumentou.
Para a ASPE, o Plano de Emergência e Transformação na Saúde assenta numa visão medicocêntrica do SNS e focada na produção de resultados imediatos. E Álvara Silva, vice-presidente do sindicato, deu o exemplo do OncoStop2024. “As 25.800 realizadas em quatro meses foram efetuadas com o mesmo número de enfermeiros nos blocos e nas enfermarias. Há turnos de 12 e de 24 horas, o que corresponde certamente a uma diminuição da qualidade e segurança dos cuidados de Enfermagem”, e a um potencial aumento de complicações pós-operatórias e reinternamentos, entre outros.
A vice-presidente da ASPE referiu ainda que os enfermeiros da Linha SNS Grávida são os mesmos que já estavam na Linha SNS 24 e que, tal como os enfermeiros do Centro de Apoio Clínico criado no Hospital da Prelada, são contratados em regime de prestação de serviço. Consequentemente, podem faltar com maior facilidade e assim fazerem com que as pessoas voltem a recorrer aos serviços de urgência dos hospitais.
Ainda relativamente à sobrecarga de trabalho dos enfermeiros, Lúcia Leite salientou que as instituições do SNS não cumprem a lei em matéria de horários e que as dotações dos serviços deveriam ser iguais para unidades públicas, privadas e sociais, para assim não existir competição desleal.
No que diz respeito aos Serviços de Urgência (SU) de Ginecologia e Obstetrícia, a presidente da ASPE defendeu que os enfermeiros especialistas de Saúde Materna e Obstétrica têm competências para realizar partos normais. Além disso, advogou-se a existência de um modelo de estratificação semelhante aos SU Gerais: concentrar em centros de referência os casos mais complexos, ter os SU de diferenciação intermédia em algumas capitais de distrito e os SU básicos nas restantes localidades, desde que a menos de uma hora de distância das populações, conforme as recomendações europeias.
Enquanto membro do grupo parlamentar (PSD) que fez o requerimento de audição, Alberto Machado fez uma avaliação positiva do Plano de Emergência e Transformação na Saúde e salientou que além de melhorar o acesso ao SNS, as medidas contidas nele contidas visam a melhoria das condições dos profissionais de saúde. O deputado do PSD também evidenciou o acordo celebrado entre o Ministério e cinco sindicatos de Enfermagem, bem como a necessidade de encontrar soluções que se complementem entre si num todo - o Sistema de Saúde. E para isso, o “enquadramento não pode ser ideológico”.
Discordando totalmente da análise efetuada pelo interlocutor anterior, Sofia Andrade, deputada do Partido Socialista (PS) afirmou que o Plano de Emergência e Transformação na Saúde é “uma mão cheia de nada” e tem pautado por um “falhanço” em várias das medidas anunciadas. A mesma interveniente solicitou a opinião da ASPE sobre referido acordo e a razão da ASPE não ter o subscrito.
Da parte de Felicidade Vital, deputada do Chega, as questões também incidiram sobre o referido acordo e na existência de “quase 50% de escalas por preencher” que só não são visíveis porque os enfermeiros trabalham horas a mais. A parlamentar também aludiu à necessidade de corrigir as posições intermédias e dos enfermeiros especialistas em Saúde Materna e Obstétrica poderem assumir um papel diferente na realização de partos normais.
Por último, Mário Amorim Lopes, deputado da Iniciativa Liberal (IL) também elogiou os enfermeiros, considerando que “são uma peça-chave” e podem ter um papel ainda mais relevante se assim o deixarem – a exemplo do que acontece no Reino Unido, onde há muitos enfermeiros a gerir unidades de saúde e a assumir tarefas que libertam os médicos para aquilo que “é do domínio exclusivamente clínico”. O mesmo orador defendeu para a Enfermagem “uma carreira que dignifique, atraia e retenha no Sistema”, quer se trate de instituições públicas, privadas ou sociais.
Em resposta às questões dos vários deputados sobre o acordo alegadamente firmado com cinco congéneres, Lúcia Leite esclareceu que o sindicato não viu nem assinou nenhum documento porque a ASPE foi excluída das negociações. Mais: como ainda ninguém viu o acordo de que todos falam, a ASPE fez um pedido formal ao Ministério, ao abrigo da legislação dos documentos administrativos, para ter acesso ao documento.
Os membros dos vários grupos parlamentares ficaram também a saber que a Ministra da Saúde enviou uma carta a todos os enfermeiros do SNS, onde realça o papel dos cinco sindicatos envolvidos no acordo anunciado pela tutela.
A mesma responsável da ASPE reiterou que até ao momento não teve qualquer resposta do Ministério da Saúde às propostas que apresentou a 26 de abril e que incidem sobre o Acordo Coletivo de Trabalho, Tabela Remuneratória e a Reorganização do Trabalho nos Cuidados de Saúde Primários, de forma a incluir enfermeiros especialistas de Saúde Materna e Obstétrica e de Saúde Infantil nas USF.
Recorde-se que nesta audição participaram, pela ASPE, Maria Guimarães e Ricardo Rio, membros do Conselho do Conselho Nacional, assim como Paulo Marques, delegado sindical.
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