ASPE pede intervenção do Presidente da República e do Parlamento sobre aplicação do regime excecional de horas extra aos enfermeiros do INEM
22 de julho de 2025
A Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros (ASPE) pediu formalmente a intervenção do Presidente da República e dos vários partidos com assento na Assembleia da República num assunto que implica os ministérios da Saúde e de Estado e das Finanças. Em causa está a aplicação abusiva – no entender da ASPE – de um diploma que diz respeito à carreira dos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar (TEPH) e que permite aos enfermeiros do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) ultrapassarem em muito o limite de 150 horas extraordinárias anuais previstos na lei.
Nas missivas endereçadas esta semana a Marcelo Rebelo de Sousa e aos líderes dos vários grupos parlamentares, a ASPE apresentou o parecer jurídico que sustenta a sua posição, bem como o pedido de intervenção urgente daqueles órgãos de soberania. Tudo porque se considera ilegal o princípio que fundamentou as autorizações dadas pela Ministra da Saúde, Ana Paula Martins, e pelo Ministro de Estado e Finanças, Joaquim Miranda Sarmento. Defende-se, igualmente, que o INEM deve apostar na contratação de mais enfermeiros e outros profissionais, e não no desgaste constante dos que diariamente prestam socorro às populações.
Na base da contestação deste sindicato encontra-se a aplicação aos enfermeiros do n.º 2 do artigo 19.º-A do Decreto-Lei n.º 60/2025, diploma que rege a carreira especial dos TEPH e prevê a possibilidade de se ultrapassarem os limites do trabalho suplementar.
Em causa está o entendimento adotado pelo INEM, pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) e por membros do Governo – que têm autorizado, de forma excecional, o aumento das horas extraordinárias não apenas para os TEPH, mas também para os enfermeiros, médicos e outros profissionais do INEM.
Segundo a apreciação técnica e jurídica da ASPE, o regime excecional inscrito no Decreto-Lei n.º 60/2025 dirige-se exclusivamente à carreira especial dos TEPH. Apesar de o artigo 19º-A conter a expressão “independentemente da carreira”, a ASPE considera que essa interpretação isolada não pode ignorar o contexto e a lógica do diploma. Trata-se, pois, de um regime especial para responder à escassez de TEPH e não pode ser extensível, sem suporte legal claro, a outras carreiras.
Um pedido específico que se tornou abrangente
Os documentos a que a ASPE teve acesso detalham que o pedido inicial do INEM, em abril deste ano, se limitava aos TEPH e ao período entre novembro de 2024 e agosto de 2025, motivado por carências operacionais e pela formação de novos técnicos.
Contudo, numa segunda versão remetida ao Ministério da Saúde em maio, o INEM estendeu o pedido a todos os trabalhadores da instituição, alargando também o período a dezembro de 2025. O argumento central passou a ser a necessidade de garantir a total operacionalidade dos serviços de emergência médica perante constrangimentos de pessoal.
Para a ASPE, esta mudança de âmbito foi aceite sem um exame jurídico rigoroso. A ACSS validou o pedido do INEM para todos os trabalhadores, considerando que o regime excecional do art.º 19º-A poderia abranger qualquer carreira no INEM. Em junho, o Ministério da Saúde, assim como o Ministério das Finanças deram autorizações formais para a não sujeição aos limites de trabalho suplementar de todos os profissionais do INEM, incluindo os enfermeiros.
Decisões baseadas em erro jurídico
A ASPE classifica esta situação como um erro jurídico crasso e um abuso de um regime já por si excecional. Nas missivas enviadas ao Presidente da República e ao Parlamento sublinha-se que a legislação em causa rege especificamente a carreira dos TEPH e que permitir que o trabalho suplementar dos enfermeiros possa ir além das 150 horas anuais configura uma violação das normas laborais e um ataque à conciliação entre vida pessoal e profissional.
A ASPE exige a “reposição da legalidade” com três medidas concretas:
- Reconhecimento do limite anual de 150 horas suplementares para os enfermeiros – em vez do limite de 250 horas extra, como é referido nos documentos do INEM;
- Pagamento de todas as horas suplementares efetivamente prestadas até à data;
- Abertura imediata de processos de contratação de enfermeiros para o INEM, de forma a resolver a carência estrutural de recursos humanos sem recorrer abusivamente ao trabalho extraordinário.
A associação considera que o processo ilustra uma sucessão de decisões administrativas tomadas com base numa interpretação errada da lei — erro que agora quer ver corrigido com a intervenção dos órgãos de soberania acima referidos.
Recorde-se que foi preciso invocar a lei do acesso aos documentos administrativos junto do Ministério das Finanças para a ASPE conhecer os documentos inerentes a este processo. E que perante a um pedido de esclarecimento da ASPE enviado em junho, o INEM respondeu dizendo que o enquadramento legal aplicado aos enfermeiros é “juridicamente adequado”.